RIO - Em qual local da cidade o imóvel é mais valorizado? Acertou quem respondeu no setor de ITBI da Secretaria municipal de Fazenda. Embalada pelo boom imobiliário dos últimos três anos, a prefeitura do Rio vem aumentando — em alguns casos em mais de 50% — a avaliação dos imóveis da cidade para a cobrança do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis, aquele tributo que o comprador pensa que vai recolher ao município no valor de 2% do que pagou pela casa nova, mas que, na prática, pode ser bem mais.
Foi o caso do administrador Rogério Quintanilha. Ele comprou um apartamento na Tijuca por R$ 750 mil. Ao gerar pela internet a guia do ITBI, levou o primeiro susto: o valor do apartamento pulou para R$ 1,1 milhão. Rogério recorreu administrativamente e perdeu. Mas, quando foi tirar uma nova guia do imposto, o valor venal arbitrado pela prefeitura tinha subido para R$1,9 milhão.
— Eu recorri de novo. Desta vez, ganhei. Paguei o tributo referente ao valor de R$1,1 milhão. Ou seja, o prefeito pôs um bode na minha sala e, quando retirou, eu achei que ficou bem melhor — contou Quintanilha, que agora vive um novo drama.
Estado também usa avaliações da prefeitura
Com a morte da mulher, ele terá que recolher 4% do valor atualizado do imóvel de imposto ao estado para receber como herança parte do mesmo imóvel. E a Fazenda estadual usa, como regra, as avaliações da prefeitura:
— Agora vou ter que brigar para tirar o bode do Cabral da minha sala.
Para não perder o financiamento da casa própria, a economista Viviana Faria resolveu pagar os R$ 32 mil de ITBI referentes ao valor de mercado de R$ 1,6 milhão que a prefeitura estipulou para o apartamento de 120 metros quadrados que ela e o marido compraram na planta, por R$ 600 mil, na Rua Ministro Raul Fernandes, em Botafogo.
— O valor que a construtora atualizou para o imóvel é de R$ 800 mil, a prefeitura avaliou pelo dobro. Então estamos dispostos a vender o imóvel agora para ela — protestou Viviana, que pretende recorrer à Justiça.
Sua futura vizinha, a analista de sistemas Andréa Rocha, resolveu recorrer administrativamente, mas teme perder o financiamento:
— Demos entrada no recurso no início do mês, e o despachante calcula que o recurso seja julgado em até um mês. A compra está parada, e isso com certeza vai impactar no financiamento.
O mineiro Alexandre Sontang também recorreu. Ele comprou há dois anos um apartamento no Humaitá, na planta, pelo valor de R$ 615 mil. O imóvel foi entregue em novembro de 2011, mas a briga com o ITBI atrasou a entrega das chaves:
— A prefeitura arbitrou o valor em R$ 1,89 milhão, três vezes o valor que paguei. No mercado, o imóvel está avaliado em R$ 1,1 milhão. Recorri imediatamente.
Sontang entrou com recurso administrativo em 2 de abril, mas ainda não teve resposta:
— O processo na prefeitura anda a passos de tartaruga, sem contar que a cada instante pedem novos documentos. Não pude esperar esse processo desrespeitoso com o cidadão, pois precisava pagar entregar a guia paga do imposto à construtora para poder obter as chaves. Então, quitei.
José Carlos Luz Bernardo desistiu de trocar seu apartamento na Rua Manoel Ferreira, por outro maior na Rua Vice-governador Rubens Berardo, na Gávea, depois que soube o valor que teria de pagar de ITBI:
— O valor do imóvel é R$ 1,61 milhão, mas a prefeitura avaliou em R$ 2,5 milhões. Desisti.
Segundo o vice-presidente de Assuntos Condominiais do Secovi-RJ, Leonardo Schneider, em algumas ruas da cidade a prefeitura vem de fato avaliando os imóveis acima do valor de mercado:
— Isso está acontecendo em bairros como a Tijuca, onde a diferença realmente está alta. A prefeitura apostou muito na valorização dos preços, e isso está se tornando um fator restritivo no mercado. Muitos contribuintes se sentem lesados. O município deveria fazer uma revisão desses valores.
Na hora de calcular o IPTU, critério é outro
A mesma Secretaria municipal de Fazenda, que supervaloriza o imóvel no momento da compra, dá a ele um valor até dez vezes mais baixo na hora de cobrar o IPTU. O subsecretário municipal de Tributação e Fiscalização, Ricardo Martins, explica que isto ocorre porque são empregados critérios diferentes. Segundo ele, para calcular o ITBI ,o governo utiliza as regras da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Ricardo Martins explicou que, a cada três meses, a fiscalização avalia os valores das guias pagas para tirar a estimativa e atualizar os valores:
— Usamos a massa de informações dos valores efetivamente pagos do ITBI. Na comparação de um trimestre com outro, se a variação ultrapassar o limite de 5%, para cima ou para baixo, então atualizamos os dados. É claro que com 80 mil guias por ano, podemos errar em uma ou outra avaliação. Para isto, existe a revisão. O contribuinte que não concordar com o valor da guia pode impugná-lo — explicou o secretário, acrescentando que o recurso administrativo demora cerca de 15 dias para ser julgado.
Segundo ele, a legislação estabelece que o o ITBI deve ser recolhido sobre o valor venal (de mercado) do imóvel e é de competência do município:
— O imóvel na planta é uma oportunidade. O comprador assume o risco do investimento. E a incorporadora, por sua vez, baixa o preço para captar recursos, mas assim que o imóvel fica pronto o valor é atualizado. A prefeitura não pode pagar o ônus dessa oportunidade. Ela tem que cobrar o valor de mercado. É o que diz a lei.
Já o valor venal do IPTU é calculado a partir da Planta Genérica de Valores, cuja vigência data de janeiro de 1998. Em seu site, a Secretaria municipal de Fazenda disponibiliza a explicação para o cálculo do valor venal de um imóvel, bem como a consulta de logradouros.
Segundo Ricardo Martins, para impugnar o valor da guia do ITBI, o contribuinte pode recorrer na sede da Prefeitura, na Rua Afonso Cavalcanti, 455, prédio anexo, no andar térreo, no horário de 9 às 16 horas, ou mesmo pela internet. No site da SMF, estão disponíveis o formulário, os documentos necessários e o passo a passo do processo administrativo. Para recorrer, o contribuinte tem prazo de até 30 dias após o lançamento e antes de efetuar o pagamento.
Professor de direito imobiliário, o advogado João Basílio explicou que o contribuinte também pode recorrer judicialmente, através de ação de repetição de indébito, mas corre o risco, senão conseguir uma medida liminar, de ter que esperar até quatro anos pelo julgamento do recurso.
Basílio avalia que a prefeitura errou na dose. Segundo ele, durante décadas, o município avaliava muito mal os valores de mercado para o cálculo do imposto:
— Antigamente, a prefeitura avaliava o imóvel por cerca de 30% do valor de mercado. Era muito baixo. Foi no governo Cesar Maia que os valores foram revistos e passou a se utilizar o valor de mercado. Mas agora, em alguns bairros, esses valores estão realmente acima da realidade — explicou.
Segundo ele, o mercado de imóveis no Rio viveu um boom nos últimos anos, mas tende agora a estabilizar.